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Presidente Chiquinho da Mangueira apoiou Marcelo Crivella no segundo turno das eleições municipais – Foto: PRB |
No último fim de semana, a escola cancelou a tradicional feijoada de julho que estava marcada para o dia 8. “Estaremos nos organizando e nos mobilizando para as jornadas de lutas em defesa do samba, da arte e do nosso carnaval”, diz trecho da nota que informou o cancelamento do evento, que costuma deixar o Palácio do Samba lotado.
Na tarde da última segunda-feira, 26, foi a vez do carnavalesco Leandro Vieira usar a página oficial da verde e rosa para fazer uma crônica em forma de manifesto contra a decisão do prefeito. Entre algumas considerações, intitulou a política de Crivella como demagoga.
Confira o texto
"SOBRE O DESFILE DAS ESCOLAS DE SAMBA, O PREFEITO E A CULTURA DE UMA CIDADE PLURAL.
A maioria dos que acompanham meu trabalho conhece minha posição a respeito dos gastos exorbitantes e das pirotecnias que, aos meus olhos, esvaziam o conteúdo cultural dos desfiles das Escolas de Samba e os distanciam daquilo que considero sua relevância fundamental. Sou um militante de uma ideologia que quer sim desfiles pensados sob a luz evolutiva de tradições pautadas em saberes próprios do carnaval e não exclusivamente inseridos na lógica do capital.
Conheço bem os meandros da produção de um desfile e a minha experiência em três carnavais feitos com sacrifício em Escolas que contavam apenas com a verba oficial – Caprichosos de Pilares 2015 e Estação Primeira de Mangueira 2016/2017 – embasam o meu pensamento a respeito da questão do corte na subvenção dada às Escolas do Rio.
Fala-se muito sobre a espetacularização dos desfiles e dos gastos exagerados como se não houvesse quem lutasse contra essa maré e como se não já existisse quem se desdobre em realizar desfiles aliando criatividade, conteúdo e baixo custo. Enquanto criador, tenho buscado caminhos que façam o diálogo sem dano entre o conteúdo e a pertinência das escolhas conceituais e a viabilização financeira da confecção de fantasias e alegorias a custos que, quando comparados a realidade de outras Escolas, são inferiores.
Muitos são os artifícios e já é amplamente divulgado o reaproveitamento de materiais, a substituição de artigos luxuosos por opções que oneram menos a verba, o uso de materiais similares, a redução do número e do tamanho das alegorias, bem como a redução do número de desfilantes. O fato é que o dinheiro da subvenção tem sido o regularizador que garante a qualidade e a condição mínima para Escolas menos abastadas, sem patronos, financiadores ou patrocínio – que muitas vezes contribuem para a má qualidade dos enredos propostos – realizem seus carnavais.
Nos últimos anos, as Escolas já sofrem o esvaziamento de investimentos – os motivos são muitos e careceriam de uma outra discussão – e a proposta do prefeito, oposta ao prometido em campanha eleitoreira, representa de fato um corte significativo, sobretudo, para agremiações que não contam com grande fluxo de recurso e encontram na subvenção da prefeitura e no repasse da LIGA – oriundo da venda de ingressos e do direito de direito de imagem – “o caixa” que possibilita a contratação de profissionais e a aquisição de material para viabilizar a complexa atividade que envolve a realização de um desfile de Escola de Samba.
Deixando de lado inicialmente a lógica do “negócio”, o dinheiro público investido – “dado” não é a palavra correta, e mais adiante falarei disso – em primeira esfera deve ser entendido como um investimento em cultura. O desfile das Escolas, a origem dessa riquíssima manifestação cultural, que se confunde com a construção da identidade nacional e com a popularização e consolidação da cultura brasileira, por si só já mereceria um olhar atento e cuidadoso da administração pública. Trata-se de uma página da cultura brasileira reconhecidamente tida como fundamental não apenas em função do desfile, mas, sobretudo, pelo caráter antropológico da manifestação. É claro que nem todos os dirigentes que administram os desfiles das Escolas cariocas têm conhecimento disso, ou lutam pela preservação disso, mas sim, pela preservação de uma estrutura administrativa sadia.
Independente dos erros que estão no lado onde faço parte – são muitos eu sei – o fato é que, mesmo sem saber, está nas mãos deles a administração – entendendo aqui administração não apenas como gestão, mas também como diretrizes e caminhos – de um bem cultural de relevância indiscutível. Esse bem, ao longo dos anos, conquistou merecido reconhecimento em função de sua relevância cultural e econômica para a cidade e para o Brasil, merecendo o apoio financeiro público que hoje o prefeito pretende cortar pela metade.
Não olhar esse investimento como um investimento feito em cultura e na preservação de um bem imaterial já é um erro. Dito o mais importante, coloco agora o carnaval e o desfile dentro da lógica do “negócio” e, ao entrar nessa seara, nem é preciso ser grande entendido no tema para compreender que o retorno financeiro do carnaval e dos desfiles é altamente lucrativo para os cofres da cidade. O prefeito investe 24 milhões na atividade e a economia da cidade movimenta 3 bilhões. A vocação turística do Rio de Janeiro, associada aos desfiles de Blocos, Bandas, e as quatro noite de desfiles, movimentam um valor que elevam de maneira considerável a arrecadação de impostos na cidade. No último carnaval, segundo dados oficiais da própria prefeitura, mais de um milhão de turistas estiveram na cidade em função dos festejos carnavalescos. Nessa lógica, o desfile das Escolas de Samba é a vitrine mundialmente conhecida desse carnaval. O desfile, e toda a publicidade que envolve a questão, é o cartão de visitas de um espetáculo bem sucedido, realizado no Brasil, especificamente, na cidade administrada pelo Bispo Marcelo Crivella.
Na lógica administrativa, o prefeito não encontra argumentos para justificar o corte, sobretudo porque contra os números não há argumento. Se não bastasse os números diretamente relacionados ao carnaval para justificar a negligência de tal atitude, a tal política de austeridade e redução de gastos que ele sugere em função da crise não encontra em outras “relações” da mesma administração parâmetro condizente. O prefeito que se nega a “gastar” 12 milhões com o carnaval é o mesmo que abre mão de receber 70 milhões ao isentar e conceder benefícios aos empresários de ônibus da mesma cidade em crise.
Ao lidar com o carnaval carioca e as Escolas de Samba, Crivella é demagogo e seus argumentos reforçam o pensamento ignorante que reflete suas convicções. Ao GLOBO, de 13 de Junho, ele convoca a população a uma reflexão: “Vamos usar esse recurso para uma festa que dura três dias ou ao longo de 365 dias do ano?” A indagação por si só já revela a ignorância do prefeito no que diz respeito aos dias de folia. Ao afirmar que o carnaval é uma “festa que dura três dias” ele mostra seu desprezo pela manifestação enquanto cultura popular de importância inestimável, reduzindo-a a uma atividade festiva, além de desconsiderar que o carnaval emprega direta e indiretamente cerca de 30 mil pessoas que trabalham 365 dias anualmente.
Na tentativa de induzir a opinião pública a corroborar com sua tese “mal ajambrada”, ele se utiliza de um discurso de baixo nível que coloca o dinheiro investido no carnaval como o “vilão” que deixaria de alimentar as crianças das creches conveniadas, sem dizer por exemplo, que por lei, 12% da arrecadação de impostos da cidade – onde o carnaval movimenta os números já citados acima – são obrigatoriamente destinados à educação.
Ao seu redor, membros do governo seguem no “desgoverno” com relação ao tema. Desconhecem o fato do trabalho para a realização dos desfiles de 2018 já terem sido iniciados e empurram a questão “com a barriga” na crença de que o carnaval é a tal “festa de três dias” que o prefeito acredita ser. A Secretária municipal de Cultura fala sobre “readaptações” num discurso vazio de soluções práticas, fechando os olhos ao fato de saber que isso já é realizado. Em paralelo, a RIOTUR minimiza a crise e diz garantir o carnaval, enquanto o secretário de Meio Ambiente do governo do Bispo acha a situação “divertida” e compartilha “meme” de conteúdo irônico sobre o tema nas redes sociais “apequenando” uma discussão que deveria ser séria.
Ao me manifestar contra a postura do prefeito, não estou defendendo simplesmente “o tal um milhão a mais” – que acho justo – ou a menos para a realização do desfile com o qual estou envolvido profissionalmente. Contra isso, haverá antídotos, possibilidades – mesmo que desvantajosas – de corte, tenho convicções ideológicas, e ao meu lado, tenho O SAMBA. Que “agoniza, mas não morre” e historicamente é dado a “guerrilhas e trincheiras.” Faz tempo que “madame diz que o samba tem pecado” e ele vive e desfila anualmente. Não será Marcelo Crivella quem mudará essa história.
Manifesto-me sim, contra uma politica arbitrária que paulatinamente tenta implementar uma ideologia conservadora, permeada de pensamentos religiosos excludentes que tendem a sufocar manifestações relacionadas a diversidade que tanto nos orgulha e nos é fundamental para nossa formação enquanto “povo”. A tentativa de “vilanizar” a verba dada às escolas de samba colocando “as crianças da creche” e as agremiações em disputa de prioridade somada a asfixia de políticas públicas para a população LGBT, bem como a criação de uma comissão com poder de veto aos eventos da cidade – podendo suspendê-los mesmo quando já autorizados previamente – falam muito sobre como pensa o Bispo, atualmente prefeito, nos poucos meses de sua administração. Um milhão por certo fará falta ao carnaval que realizarei em 2018. Mas não faz a metade da falta que um prefeito sério e antenado com os aspectos da sociedade contemporânea e do mundo moderno faz para uma cidade cosmopolita como o Rio de Janeiro.
Leandro Vieira – Junho de 2017."